1- Fale-nos um pouco de si.
Magno Domingos, 40 anos de idade, agricultor e pai de muitos filhos.
Sou, esta pessoa observadora, com ideais próprias e que acredita que o caminho é feito enquanto se anda. Não sou sonhador, não sou platónico e gosto de viver com os pés no chão. Também não me acho um escritor, mas escrevo sim acerca daquilo que vejo e do que acho que serão os resultados das interações da sociedade, futurando um pouco. Algumas vezes até visito o passado quando me encho de saudades de uma coisa, uma pessoa ou um momento. De resto, acho que sou uma pessoa pragmática.
2- Como poeta, fale-nos da poesia no seu país.
É aí onde as vezes me sinto perdido e um pouco envergonhado. Porque eu, como disse antes não me sinto um poeta. Está é uma honra que não consigo me atribuir, por não estou em tal patamar. Mas reconheço que Angola de Massabi a Santa Clara, tem gente com capacidades galácticas de criar e poetizar.
Há por exemplo muitas mulheres a poetizar de forma tão filosófica que é uma coisa bonita. Tanto nos movimentos e grupos literários que existem, como também de forma isolada. E acho que vai chegar o dia em que a literatura angolana será re-escrita por uma geração que não é necessariamente aquela que leu Sagrada Esperança, As Aventuras de Ngunga ou Mestre Tamoda. Já visitei sessões de declamação de poemas mesmo em Luanda onde fiquei de boca aberta diante de tanto talento. O movimento Lev’arte é um exemplo de abnegação, de entrega a arte onde a poesia tem lugar importante. E há muita poesia na musica angolana também.
Portanto, Angola é uma poesia.
3- O que inspira a sua criatividade? Quando e como te tornaste num poeta?
A vida, e o dia-a-dia influenciam o que escrevo. Gosto de observar situações que depois meto em escrito, quer em forma de prosa como em versos que depois recebem o nome de poesias. Porque existe arte em quase tudo, até no andar de uma pessoa desinteressada pelos barulhos da sociedade.
A primeira vez que escrevi, foram uns versos para a Santa, alguém que também não sei que é. E eu tinha na altura sete anos de idade, estudava a terceira classe. Depois daí nunca mais parei de meter em escrito as minhas alegrias, tristezas, conquistas e perdas.
POEMA I
Não vão perceber a tua dor
Ninguém vai compreender as tuas lágrimas
Nem a tua fome será sentida por outras barrigas. O teu cambalear, ainda será motivo para risadas
O cair das tuas calças, quando a tua cintura já não suportar cinto algum, aproveitarão para dizer "está bêbado de novo".
O teu falar assilabado, será visto com humor, "ele gosta de fazer rir", dirão.
Quando gritares "socorro" entenderão como se estivesses a contar outra história lá dos tempos do mato. "Ele é assim mesmo", dirão.
Mas quando tombares encontrarão culpas em ti. Não haverá outro culpado do teu tombo. Por quê que ele não pediu uma bengala? Não sou "aleijado" mas até tenho duas em casa. Por quê que ele não segurou aquela parede? Estava próxima.
Por quê que ele não descansou naquela sombra? Era mesmo ja aí.
Ele não me chamou, não me chamou porquê? Eu viria socorrer, sempre vim.
Sentirão raiva. Mas tanta raiva de ti, por não terem percebido que ja não aguentavas mais, que a sirga ficou pesada e que estavas a ruir.
Sentirão raiva. Mas tanta raiva de ti, por não terem compreendido a linguagem do teu bocejar. E serás o culpado do teu ruir
Culpado dos teus esforços Culpado das tuas lutas.
Como prémio, por tudo o que significaste Reunirão condições
E por fim comprarão a melhor das urnas
As mais belas tulipas enfeitarão a tua morte Farão o melhor e mais sentido funeral, Desejarão que a tua alma, finalmente Descanse em paz.
4- Faça um enquadramento do seu poema, como poeta, como leitor e como analista. Nestas personagens como vês nos seus poemas?
Honestamente recuso me identificar como poeta, por isso é difícil me ver neste papel. É patamar muito alto. Mas se por acaso fosse poeta, eu seria um poeta indisciplinado, um poeta algo anarquista, violador das regras e preceitos que regem o viver em poesia, talvez até seria excomungado por não respeitar tal sacerdócio. E por fim, seria justo se algum dono das coisas me viesse dizer que sou um poeta mediocre, como já se disse antes.
Já como leitor sou leviano, qualquer leitura boa me arrasta com os seus ventos. Não sou de julgar, porque acho que a arte é singular, é muito individual.
Como analista, acabo vendo ordem até no caos. Acho sempre que tem algo de bom até no pior dos errados e desviados. Sou uma pessoa que aceito o que vem do outro, porque igual ao outro é só mesmo o outro e dentro dele só está ele mesmo.
Neste texto em particular, cujo o titulo creio que é Descansa Em Paz, porque normalmente não dou títulos ao que escrevo, tentei retratar o julgamento social. Tentei meter em versos aquilo que sente por dentro uma pessoa que quer alertar aos outros que precisa de ajuda, que está a sofrer, que está a decair, mais que as pessoas ao seu redor não se dão conta disso. O ignoram pensando que ele está mais a brincar ou então que é culpado do seu infortúnio, mas que quando morrer as pessoas já vêm nele uma pessoa de bem, e acabam embelezando a sua morte com todo o tipo de adornos que o
dinheiro pode comprar… algo algo sim. E isso encontra-se aos montes na nossa sociedade.
5- Em qui outras artes estás envolvido, e quais outros assuntos são importantes para si?
A outra arte em que estou envolvido, e alias é o primeiro amor na minha vida em termos de arte, é a agricultura. Eu sou agricultor e sou fascinado por batatas. Acho que batatas são coisas lindas, encantadoras e muito próximas ao ser humano. Gosto de as semear, de as tratar, colher e comer, é claro.
Mas não apenas isso, a natureza no campo me encanta, o produzir para dar as pessoas a comer é outro encanto. Então eu encaro isso como arte e não como a coisa degradante e baixa que nos ensinaram que a agricultura era… agricultura é arte, sempre foi e sempre será.
6- Fale-nos dos teus outros poemas que estão no BNAP.
Meus outros textos no BNAP são reflexos da minha anarquia literária, da minha indisciplina gramatical e rebeldia léxica. Eu sou uma espécie de menino que precisa ter as orelhas puxadas porque erro muito.
Mas de qualquer formas são todos eles relatos de algo que aconteceu, está a acontecer ou vai certamente acontecer. Eu pauto-me por retratar e não consigo fugir disso.
7- O que acha que deve mudar na antologia BNAP para que melhore nas futuras edições, marketing, editorial, etc…
Sou um pouco conservador e gosto das coisas conforme estão. No entanto gostava muito que
chegasse já aquela fase em que nós os participantes pudéssemos ter também as nossas copias muito mais facilmente. Sei que não é fácil, mas é um desejo.
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